Ela se rendeu

Julia Rebeca não aguentou o julgamento que sofreu, se desculpou por não ser “a filha perfeita” e cometeu suicídio

Era novembro de 2013. Daniel, como mandava a rotina, foi para a igreja após um dia de trabalho – ele, assim como o resto da família de Parnaíba, no Piauí, é evangélico. Antes de voltar para casa, o professor decidiu jantar em um restaurante da cidade. Ao pagar a conta, seu celular tocou: “Tu tá onde?”, perguntou a irmã mais velha.

“Olha, deixa o que tu tá fazendo aí, se quiser depois tu paga a conta. Vem correndo pra casa que aconteceu um negócio aqui.” Pela ordem natural das coisas, ele pensou que poderia ser algo com a avó, quase com 90 anos de idade. Sem hesitar, deixou o restaurante. Ao chegar em casa, notou a família toda reunida no mesmo cômodo e sentiu a tensão que tomava conta do ambiente.

“A Rebeca tá no hospital”, disse a tia de Daniel.

Só poderia ser alguma brincadeira da menina, afinal, ela vivia fazendo piada. Deveria ser algum pequeno problema de saúde, mas com certeza não era nada grave. Aí veio o baque: ela tinha cometido suicídio.

Depois das tentativas de digerir a notícia, já no hospital, ele se deparou com o corpo da prima sobre uma pedra de mármore, tomado por hematomas de enforcamento no pescoço – ela havia tirado a própria vida com o fio de uma chapinha de cabelo. Mesmo diante da cena, demorou um bom tempo até que a ficha caísse.

Daniel ficou responsável pelos procedimentos legais no local, enquanto parte da família se reunia na casa da tia de Rebeca, com quem ela morava, a fim de buscar alguma explicação que justificasse o trauma. Até então, ninguém sabia o que havia provocado o suicídio.

Ao se reencontrar com a família, ele se deparou com mais uma surpresa: entre algumas cartas encontradas no guarda-roupa de Julia Rebeca, estava um bilhete que continha as senhas de todas as redes sociais dela, e era endereçado especialmente ao primo. Nesse momento, ele não pensou duas vezes. Ao pegar o celular de Rebeca, lembrou de um certo vídeo que a menina havia mostrado semanas antes.

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Daniel Aranha e a prima, Julia Rebeca (Reprodução/Facebook)

Apesar dos mais de dez anos de diferença na idade – ele tinha 28 e ela, 17 -, Daniel e Julia eram parceiros. Saíam para passear de carro, cantavam músicas dos anos 1980, contavam piadas e revelavam segredos. Ele era o confidente das aventuras adolescentes da menina, e também seu conselheiro oficial.

Mesmo que passassem muito tempo sem se ver, as conversas longas se mantinham por WhatsApp e Facebook. Em um desses dias, Daniel chamou a prima para jogar conversa fora, puxar assunto. Já fazia um tempo que ela parecia estranha, calada, sentindo falta de São Luís (MA), sua terra natal. Estava um pouco diferente da Julia comunicativa e aberta que todo mundo conhecia.

Durante o papo, Julia disse que queria mostrar uma coisa para Daniel, que na hora não fez questão de saber o que era. O assunto esfriou e, cinco dias depois, Rebeca enviou alguns print screens (fotos da tela do celular) com imagens que ele não reconheceu. Logo depois, mandou um vídeo.

Espanto. Foi esse o principal sentimento que tomou conta de Daniel durante pouco mais de 30 segundos de filme. Além de Julia Rebeca, outros dois amigos da adolescente – um garoto e uma garota – apareciam nas filmagens em cenas de sexo. Automaticamente, a reação dele foi pedir para que a menina deletasse o material do celular, dizendo que alguém poderia pegar o aparelho e soltar o vídeo na internet a qualquer momento.

Ele só não sabia que isso já havia acontecido. Antes do suicídio, o vídeo já havia se espalhado, não só pela escola dos três, mas pelo Brasil inteiro. E a menina usava as redes sociais, principalmente o Twitter, para desabafar sobre seu “último dia”.

O caso caiu na mídia e a família, bem conhecida na cidade onde moravam, decidiu não dar declarações em um primeiro momento. Enquanto eles se “isolavam” em uma casa de praia bem afastada, emissoras de televisão tentavam ligar, blogs noticiavam informações equivocadas sobre a história e perfis falsos com o nome de Rebeca surgiam sem controle no Facebook.

A rotina da família mudou bastante. Daniel, que é músico, se viu incapaz de trabalhar direito, e parou de frequentar as aulas da faculdade por um tempo. Em qualquer lugar que fosse, alguém lançava um olhar diferente ou comentava sobre o assunto.

A quantidade de pessoas que falavam barbaridades na internet, sem respeitar a dor da família, era grande, mas não tanto quanto as mensagens de apoio. Daniel então criou uma página no Facebook para lembrar a menina, “Julia Rebeca – Saudades Eternas“. A recordação é ainda maior quando o aniversário da garota se aproxima: os preparativos para a festa de 18 anos já haviam começado, mas foram interrompidos, para sempre.

Até hoje, a família não sabe quem foi o responsável. O caso continua em investigação, tanto pela Polícia Civil do Piauí quanto pela Delegacia da Mulher. Daniel afirma que encontra dificuldades para obter informações das empresas que hospedam o conteúdo, especificamente por causa do WhatsApp. E, apesar de o vídeo ter sido removido dos grandes provedores de busca, ele ainda se depara com as imagens de Rebeca em blogs pequenos.

Para ele, faltam leis específicas e punições mais severas para a pornografia de vingança no Brasil. No caso, ele não sabe nem se algum dia descobrirá o responsável pelo vazamento das cenas de sua prima, o que torna a dor e o sentimento de impotência ainda maiores.

“A gente não pode processar quem a gente não vê”, diz.

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