3 manuais para mandar nudes sem neura e reparar possíveis danos
Em um mundo ideal, não seriam necessários tutoriais para se proteger na hora de mandar nudes. Isso porque fotos íntimas vazadas não causariam tanto impacto. O que é um corpo nu, afinal? Ninguém nunca viu?
Na vida real, no entanto, o que acontece é que a intimidade da mulher é escandalizada e a situação é invertida, ou seja, a vítima passa a ser tratada como criminosa. É preciso entender que essa culpabilização é filha de uma sociedade com questões de gênero desequilibradas, onde o corpo feminino em muitas situações ainda é visto simples e exclusivamente como ferramenta sexual.
Mas, ao contrário dessa visão, mandar nudes pode ser um ato prazeroso, saudável e empoderador, tanto para o homem quanto para a mulher, desde que a pessoa queira. A prática insiste na produção autoral de uma imagem íntima em que você se sinta confortável e que seja feita de acordo com os seus limites. Então, a partir do momento em que se aceitar a sexualidade feminina naturalmente, como se encara o sexo masculino, a pornografia de vingança deixará de existir.
Pensando nas pessoas que curtem a prática, mas têm medo da exposição, e nas que já tiveram sua intimidade divulgada na internet, há abaixo três manuais. Um para mandar nudes sem noia e outros dois para – tomara que não seja preciso – superar o trauma e fazer justiça.
Se você quer mandar nudes, mas tem medo das fotos vazarem…
- Evite mostrar o rosto ou elementos que te identifiquem, como tatuagens, marcas de nascença ou acessórios que estão sempre com você. O ambiente também pode indicar que aquela imagem é sua: se já postou alguma foto do seu quarto, por exemplo, tente não usar aquele lençol ou papel de parede novamente.
- Prefira fazer as fotos ou vídeos com o seu celular ou uma câmera própria. Assim, você tem o poder sobre as imagens do seu corpo.
- Evite ficar com elas armazenadas no seu celular. Pode ser que você o perca, ou ainda que alguém roube o aparelho ou as imagens e as espalhe.
- Não mande o mesmo nude para pessoas diferentes. Se a foto vazar fica mais fácil saber quem divulgou. Para não perder aquela luz boa do momento, mudar a pose já ajuda.
- Tenha pelo menos algum dado básico (nome completo e telefone) da pessoa que recebeu seu nude. Em caso de problema, é mais fácil encontrar o suspeito.
- Na dúvida entre mandar por WhatsApp ou Snapchat? Se possível, fuja dos dois. No primeiro aplicativo, é difícil produzir provas contra o possível criminoso. O segundo pode até ter cara de secreto, já que as imagens desaparecem em alguns segundos, mas permite que outros apps salvem a foto sem que a pessoa saiba.
- Alguns aplicativos podem tornar o ato de mandar nudes mais seguro. Natasha Felizi, colaboradora da organização Coding Rights, que discute os direitos humanos no mundo virtual, indica alguns. O Obscuracam “pixeliza” os detalhes que a pessoa não quer mostrar, mas por enquanto está disponível apenas para o sistema Android. Já o Wickr e o Confide criptografam as mensagens e mídias e fazem com que elas se autodestruam após serem visualizadas.
Se você foi vítima de pornografia de vingança…
- Por mais doloroso que possa ser ter sua intimidade exposta, procure os bons amigos e fale sobre o assunto. Se você é menor de idade, tente contar para os seus pais. Falar e refletir sobre o tema ajuda a superar o trauma e a lidar com o passado.
- Entenda que a culpa não é sua. A dor vem da quebra de confiança e do julgamento cruel da sociedade, também conhecido como “slut shaming”: envergonhar alguém pela sua vida sexual. Criminoso é quem divulgou sua intimidade.
- Entrar em contato com o feminismo pode te ajudar a perceber isso e se sentir melhor. Algumas interpretações do movimento explicam por que as fotos íntimas de mulheres são bem mais compartilhadas do que as de homens. A visão de que o corpo feminino é hipersexualizado, tratado como objeto sexual, é uma das justificativas.
- Procure auxílio psicológico. Um profissional da área te ajudará a encontrar os caminhos para superar o sofrimento. Às vezes, é necessário um psiquiatra para tratar de distúrbios como depressão e transtornos alimentares, consequências que não são raras em casos de pornografia de vingança.
- Algumas instituições e ONGs também oferecem serviços de atendimento a vítimas:
End Revenge Porn: começou como uma campanha independente nos EUA que tinha como objetivo tornar a pornografia de vingança um crime em cada estado do país. Hoje, também presta suporte a vítimas e recebe histórias do mundo todo.
Safernet Brasil: ONG que promove os direitos humanos na internet. No caso da pornografia de revanche, a organização dá orientações jurídicas e psicológicas e sugere um modelo de carta para solicitar a remoção do conteúdo ao servidor – um direito garantido pelo Marco Civil da Internet. Quando a vítima é menor de idade, a instituição encaminha uma denúncia às autoridades, já que se trata de pornografia infantil.
Marias da Internet: criada por Rose Leonel, vítima de um dos primeiros casos públicos de pornografia de vingança no Brasil, a ONG presta auxílio psicológico às vítimas e as coloca em contato com profissionais voluntários para orientar quem sofreu o crime, como advogados e peritos digitais.
Se você quer entrar na Justiça e denunciar o crime…
- Arquive provas de que sua imagem foi divulgada. Capturas de tela (print screen) das conversas com o agressor podem ajudar no processo jurídico, mas não são consideradas provas inequívocas. O mais indicado é ir a um cartório e registrar uma ata notarial: uma declaração que torna os documentos praticamente incontestáveis.
- Como vítima, você tem o direito de solicitar a remoção do conteúdo ao provedor, por meio de uma carta. De acordo com o Marco Civil da Internet, ele deve excluí-lo imediatamente. Mas lembre-se: a internet é volátil e a total remoção nunca é 100% garantida.
- Denuncie! Faça um boletim de ocorrência em qualquer delegacia (alguns estados têm unidades especializadas em crimes cibernéticos), mas não espere que o problema seja solucionado ali, porque esse crime normalmente não é tratado como prioridade. É bom que a vítima esteja acompanhada e preparada para eventuais julgamentos ou abusos dos funcionários, como algumas relatam.
- Para entrar com um processo cível ou criminal, você deve procurar um advogado ou defensor público, preferencialmente que entenda de direito na internet. Em alguns casos, o trabalho de um perito digital também pode ser necessário para encontrar o responsável.
Outros tutorias na web que podem te ajudar:
Brasil Post: “Manda Nudes – Guia Sensual de Segurança Digital“, por Coding Rights
Think Olga: “F.A.Q. Jurídico: Violência Virtual“, por Gisele Truzzi
Fontes: Annmarie Chiarini, diretora de serviços a vítimas da Cyber Civil Rights Initiative; Alexandre Atheniense, advogado especialista em Direito Digital e perito digital; Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital; Iolanda Garay, perita digital; Juliana Cunha, coordenadora psicossocial da ONG Safernet; Juliana de Faria, jornalista e fundadora do site feminista e ONG Think Olga; Luli Radfahrer, professor de Comunicação Digital da ECA-USP, consultor em inovação digital e colunista da Folha de S.Paulo; Natasha Felizi, colaboradora do Coding Rights e pesquisadora em arte e tecnologia; Paulo Tessarioli, terapeuta sexual; e vítimas da pornografia de vingança